Sobre o combate<br>às alterações climáticas

Vladimiro Vale

A 21.ª sessão da Conferência no âmbito das Convenções Quadro sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas vai ter lugar em Paris no final deste ano. O problema da discussão sobre alterações climáticas não se coloca tanto no diagnóstico, que estudos científicos têm vindo a fazer, nem no objectivo de redução dos gases causadores de efeito de estufa. O principal problema coloca-se nos meios que se aponta para cumprir estes objectivos e metas, que apostam na mercantilização e financeirização do ambiente, tentando passar como bons instrumentos que visam a obtenção de lucro e a acumulação de riqueza, supostamente para solucionar problemas ambientais.

Na UE, o essencial do esforço de diminuição dos Gases do Efeito Estufa (GEE) é colocado no período de 2030 a 2050, o que não pode deixar de ser lido como um adiamento do problema, insiste-se no mercado do Carbono e aposta-se no favorecimento do negócio em torno da energia, encarando-a como mais uma mercadoria e não como bem de utilidade pública.

O ministro do Ambiente do Governo PSD-CDS afirmou em Lima, na COP20: «combater as alterações climáticas é urgente, mas também é possível e pode ser custo-eficaz». Esta expressão é paradigmática e confirma o alinhamento com as posições que visam a financeirização do ambiente e também não esconde o aliciamento para a especulação em torno do Esquema de Transacções de Licenças de Emissão. Tal como escreveu Engels, «no modo de produção actual apenas se considera, face à natureza, como à sociedade, o resultado mais próximo», ou seja, «a obtenção do lucro imediato», «depois, ainda há quem se espante que as consequências longínquas das acções que visam este resultado imediato sejam completamente diferentes e na maioria dos casos completamente opostas».

O PCP tem vindo a afirmar que o Esquema Europeu de Transacções (ETS) não conduziu à desejada redução de emissões de gases de efeito de estufa, e desmente claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado demonstrando a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos. Estes mecanismos assumem um carácter ainda mais injusto na medida em que os países industrializados, que mais contribuem e contribuíram para a dita acumulação de carbono na atmosfera, querem agora cobrar a factura aos chamados países em desenvolvimento. A criação do comércio do carbono visa tornar-se numa máquina bilionária de geração de activos financeiros fictícios, em tudo semelhantes aos gerados pelos mercados especulativos bolsistas, expostos às imprevisíveis variações do sistema.

Na COP 20, em Lima, o ministro português do Ambiente anunciou «o Compromisso para o Crescimento Verde», do qual decorreu a Reforma da Fiscalidade Verde, que o PCP caracterizou como uma reafectação da tributação, carregando mais sobre as camadas mais empobrecidas com base na noção falsa de que a taxação dos seus hábitos e actividades têm efeitos ambientais sensíveis.

O PCP denunciou ainda que a suposta neutralidade fiscal desta reforma não pretende mais que esconder que uns vão deixar de pagar o que outros passarão a pagar. Nesta reforma está, mais uma vez, impressa a opção de classe deste Governo de salvaguardar os interesses dos grandes grupos económicos que entretanto dominam os transportes públicos, a gestão de resíduos, a gestão das águas e águas residuais. Daí que tenha proibido isentar de IVA as entidades públicas de gestão de resíduos para não prejudicar a concorrência com privados, que tenha obrigado a pagar pelos sacos plásticos – ao invés por exemplo de proibir a distribuição de sacos não biodegradáveis, ou de legislar no sentido de reduzir a embalagem supérflua. Daí que se prepare para reservar os centros e regiões nobres das cidades para as elites, introduzindo portagens, sob a capa de resolver o problema dos transportes públicos, enquanto, por outro lado privatiza o transporte público, dificultando o acesso e afastando deles os seus utentes.

O PCP rejeita a mercantilização dos bens ambientais e a diversão ideológica, com que se pretende inverter o ónus das verdadeiras responsabilidades de classe na degradação ambiental e fazer reflectir os seus custos exclusivamente nas populações.

É urgente uma real política de limitação de emissões com efeito estufa e outros poluentes, através de normativo específico, sem atribuição de licenças transaccionáveis e que tenha em conta a necessidade de redução das emissões de GEE e uma justa distribuição dos esforços para as alcançar, por sectores e países.

É imprescindível diminuir a dependência face aos combustíveis fósseis; respeitar as prioridades estabelecidas pelos países em desenvolvimento e potenciar a sua capacidade de resposta própria; defender da produção local, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo, travando a liberalização do comércio mundial, factor de incentivo no aumento do consumo energético; proteger os ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e a recuperação de ecossistemas degradados, dado o importante papel que desempenham no ciclo do carbono.

O PCP tem vindo a denunciar aquilo que tem sido a política dos sucessivos governos nesta matéria, em tudo alinhada à ideia de mercantilizar e financeirizar o ambiente. A solução passa por uma ruptura com as políticas que têm vindo a ser seguidas na UE e em Portugal e pela construção de uma alternativa de esquerda que dê prioridade ao progresso social e ao desenvolvimento em equilíbrio com a natureza.




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